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Preocupa que não mais sejam julgados pelo Carf processos das empresas de pequeno e médio porte, que são as que precisam de maior apoio

O Ministério da Economia publicou norma regulamentando o contencioso administrativo de pequeno valor, limitado ao teto de 60 salários mínimos. Trata-se da Portaria nº 340, de 8 de outubro.

Vislumbramos alguns pontos favoráveis na nova regulamentação, como a obrigatória observância das súmulas e resoluções do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que são aprovadas pelas turmas ou pelo Pleno, quando há decisões reiteradas e uniformes sobre matéria federal. Como os processos de pequeno valor não são mais remetidos ao Carf, as futuras súmulas deste tribunal administrativo provavelmente se limitarão a antigas discussões a respeito de processos de menor valor. Assim, a submissão às súmulas e resoluções do Carf não resolve a fragilidade imposta à defesa pelo novo regramento.

Preocupa que não mais sejam julgados pelo Carf processos das empresas de pequeno e médio porte, que são as que precisam de maior apoio.

A portaria também autorizou a interposição de recurso voluntário para as Câmaras Recursais, que comporão a estrutura das Delegacias de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (DRJs). Se de um lado, aparenta ser positiva a oportunidade de recurso às Câmaras Reunidas das DRJs, é bom lembrar que esta faculdade decorre da proibição por lei, publicada neste ano, de interposição de recursos ao Carf nos processos de pequeno valor.

Com efeito, preocupa que não mais sejam julgados pelo Carf, tribunal administrativo com composição paritária, possibilidade de sustentação oral, dentre outras garantias, processos das empresas de pequeno e médio porte, que possivelmente são as que precisam de maior apoio no contexto da pandemia e recessão econômica.

A qualidade técnica de auditores fiscais da Receita Federal, que compõe as DRJs e comporão as Câmaras Recursais, não preocupa, pois na nossa experiência ao longo dos anos tivemos positiva avaliação dos acórdãos das DRJs no país. Não obstante, as DRJs estão sujeitas a importantes restrições que distinguem o seu julgamento do Carf: (i) não há sessão aberta de julgamento, o que impede até mesmo a sustentação oral pelos advogados das partes; (ii) as DRJs seguem as orientações de Instruções Normativas, Pareceres da Cosit, dentre outras manifestações internas da Receita Federal; (iii) não há recurso para uniformização de entendimento entre DRJs; (iv) não há componentes da sociedade na composição.

A falta de paridade isoladamente não é suficiente para desprestigiar as DRJs. No entanto contribui – no contexto acima referido – para a distinção da defesa que é oportunizada aos empresários na DRJ e no Carf.

Nesse sentido, seria recomendável uma reforma adicional na estrutura das DRJs, para permitir sessões abertas de julgamento, com sustentação oral; esclarecimentos sobre prazo para os embargos de declaração, como seu prazo e interrupção de prazo para outros recursos, e retirar a subordinação à Secretaria Especial da Receita Federal. Estas medidas certamente contribuiriam para maior liberdade dos julgadores das DRJs, assegurando a ampla defesa aos contribuintes também quanto a processos de pequeno valor.

Também é importante a expressa autorização de requerimento do sujeito passivo para correção de “inexatidões materiais devido a lapso manifesto e a erros de escrita ou de cálculo” nos acórdãos das DRJs. Pela descrição, este pedido se assemelha aos embargos de declaração, previsão francamente positiva para o contencioso administrativo.

Entretanto, obscura a norma por não definir a interrupção do prazo para recurso voluntário, como tampouco especificar o prazo para o pedido de esclarecimentos pelo contribuinte e pela autoridade incumbida da execução. Vale anotar que a falta de prazo para pedido de esclarecimentos pela autoridade pode eternizar o processo, o que afronta o princípio da segurança jurídica.

Esperamos que estes pontos, importantíssimos na solução de contencioso, sejam esclarecidos por futura regulamentação. De toda forma, por cautela, caberá aos contribuintes – se vislumbrarem inexatidões materiais passíveis de esclarecimentos – interpor concomitantemente os “embargos” e o recurso voluntário às Câmaras Recursais.

Outra questão que se coloca é o lapso entre meados de agosto e fim de outubro, quando foi proibida a interposição de recurso voluntário ao Carf (quanto ao processo de pequeno valor) e tampouco seria cabível recurso voluntário às Câmaras Recursais. Uma solução prática teria sido a possibilidade de devolução do prazo, para que então fossem interpostos recursos às Câmaras Recursais neste mês de novembro. Como não se oportunizou qualquer recurso, vislumbramos inconstitucionalidade importante para os contribuintes que foram intimados neste período.

Não menos relevante, é a possibilidade da Receita Federal entender que o recurso voluntário e os embargos, agora criados por portaria, não suspenderiam a exigibilidade do crédito tributário. Em sentido contrário, entendemos que a lei outorgou competência à administração pública para disciplinar este novo recurso, sendo assegurada a suspensão da exigibilidade do crédito tributário nos termos do Código Tributário Nacional. Caso adotado este entendimento – que nos parece mais consistente -, será assegurado fôlego aos contribuintes com o impedimento de envio de débitos para inscrição em dívida ativa e execução fiscal antes do encerramento do processo administrativo.

Fonte: https://www.ibet.com.br/processos-administrativos-de-pequeno-valor/